terça-feira, 5 de julho de 2011

Pedalquimia

"Em primeiro lugar pede-se o que a instituição produz, depois julga-se que não se pode viver sem isso. E quanto menos se pode usufruir do que chegou a tornar-se uma necessidade, mais fortemente se sente a necessidade de o quantificar. A necessidade pessoal transforma-se assim em carência mensurável.


A invenção da educação é um exemplo do que exponho. Tem-se a tendência para esquecer que a necessidade de educação, na sua acepção moderna, é uma invenção recente. Era desconhecida antes da Reforma...Para Voltaire, a palavra educação era ainda um neologismo presunçoso, utilizado por fátuos mestres-escolas.

A empresa que consiste em fazer passar todos os homens por sucessivos graus de iluminação tem raízes profundas na alquimia, a grande arte do fim da Idade Média. Com muito justa razão, considera-se Jan Amos Comenius, bispo morávio do século XVII -- pansófico e pedagogo, conforme ele próprio se intitulava --, um dos fundadores da escola moderna. Foi um dos primeiros a propor sete ou doze graus de aprendizagem obrigatória. Na sua Magna Didactica descreve a escola como um instrumento para "ensinar completamente tudo a todos" (omnes, omnia, omnino) e esboça o projeto de uma produção em série do saber que diminui o custo e aumenta o valor da educação, com o objetivo de permitir a cada qual alcançar a plenitude da humanidade. Mas Comenius foi não só um dos primeiros teóricos da produção em massa, mas também um alquimista, que adaptou o vocabulário técnico da transmutação dos elementos à arte de formar as crianças. O alquimista pretende refinar os elementos básicos, purificando-lhes os espíritos através de doze fases sucessivas de iluminação. No termo deste processo, para o seu maior bem e do universo, os elementos são transformáveis em metal precioso: o resíduo da matéria, tendo sofrido sete gêneros de tratamento, dá prata e o que resta, depois de doze provas, dá ouro. Evidentemente, os alquimistas fracassavam sempre, fosse qual fosse a perseverança dos seus esforços, mas a sua ciência oferecia-lhes sempre as novas boas razões para tornar à carga com tenacidade. O malogro da alquimia culmina com o malogro da indústria.

O modo industrial de produção foi plenamente racionalizado, pela primeira vez, por ocasião do fabrico de um novo bem de serviço: a educação. A pedagogia acrescentou um novo capítulo à história da grande arte. Dentro do processo alquimista, a educação converteu-se na busca daquilo de que ia nascer um novo tipo de homem, requerido pelo meio, modelado pela magia científica...

A redefinição do processo de aquisição do saber, em termos de escolarização, não só justificou a escola, dando-lhe uma aparência de necessidade, como também, simultaneamente, criou uma nova espécie de pobres, os não escolarizados, e uma nova espécie de segregação social, a discriminação daqueles que carecem de educação por parte dos orgulhosos por a terem recebido."

Ivan Illich


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