Mariano, Bom Samaritano.

Lendo a parábola do Bom Samaritano (Lucas 10.25-37), percebo que o que fez do samaritano diferente dos religiosos (sacerdote e levita) foi a capacidade de compadecer-se.

“Mas um samaritano (...) vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;”

Agora, por que o sacerdote e o levita não tiveram piedade, é coisa que só se pode conjecturar. Então seguem duas:

Numa interpretação bastante conhecida dessa parábola, sacerdote e levita hoje em dia seriam respectivamente, por exemplo, pastor e músico evangélicos!

Por serem religiosos pode ser que tivessem o tal espírito religioso que nasce da mentalidade caída que pensa em recompensa para o bem e punição para o mal (“Olhar caído”).

E ai, ainda que eles tivessem se compadecido pelo homem no chão, essa mentalidade mata qualquer piedade, porque ela atribui o mal a Deus, e se foi Deus quem fez isso então eu não me meto! Esse cara deve ter feito algo de errado e Deus o está disciplinando!

“Uma das primeiras evidências do mergulho na Graça do Pai é a capacidade de ver o outro com bons olhos!" (Marcelo Quintela)

Ainda que o cara fosse o pior dos pecadores onde está o amor que cobre uma multidão de pecados (1Pedro 4.8)? O mesmo amor com o qual fomos e somos amados (João 15.12)? Que não leva em consideração transgressões e pecados, que está acima do bem e do mal, que não descobre pecado em tudo o que vê e por isso mesmo, por não descobrir, é que cobre uma multidão de pecados!? Onde está o amor que tudo crê? Inclusive que há amor onde este não se mostra!?

É comum (demais) um membro ser desligado de sua "igreja" por não se arrepender de sua vida de pecado. E esse desligamento ocorre depois de se ter conversado com tal membro tentando convencê-lo de seus erros, da necessidade de mudança de vida, etc. Caso ele persista na vida de pecado o assunto é levado ao púlpito na presença de todos os membros da “igreja” e, nesse momento, é anunciado o desligamento do tal pecador! Mais ou menos assim:

Quero anunciar que Fulano de Tal está em pecado. Ele anda fazendo isso, isso e aquilo. Já o chamamos para conversar várias vezes, mas ele não se arrepende. Então quero dizer a vocês que ele não faz mais parte do corpo de Cristo. Portanto não o saúdem mais com a paz do Senhor.

Tudo isso é feito devidamente embasado e autenticado pelo texto escrito em Mateus. Tudo isso visando a preservação da imagem da “igreja” perante o mundo. Tudo por “amor” ao pecador desligado e excluído do “corpo de Cristo”. Por amor ao pecador e pela imagem da “igreja”! Mas onde está o amor paciente que tudo espera e que não estabelece datas para que o outro dê seus frutos? Onde está o amor que tudo suporta, inclusive ser pregado numa cruz? "Não percebem que a bondade de Deus é manifesta para conduzir vocês ao arrependimento?" (Rm 2.4) e não o contrário (que o arrependimento de vocês é que manifesta a bondade de Deus)?

É jogar a pedra na adúltera com uma mão e mostrar o texto na bíblia com a outra!

A outra conjectura sobre o motivo dos religiosos não terem se compadecido é que eles poderiam estar ocupados demais com “as coisas de Deus”! É a síndrome de Marta! Quando a gente, num zelo fora do comum, pensa estar cuidando das coisas de Deus e fica cego para Deus ou para ver Deus no outro. É quando a gente pensa estar cuidando da melhor parte! “Senhor, não te importa que Maria tenha me deixado sozinha com o serviço e tenha ficado aí perto de ti? Manda que ela venha me ajudar!” E Jesus responde: “Marta, Marta...você está ocupada com coisas demais. A sua irmã escolheu pela melhor parte e não tirarei isso dela.”

Contando a parábola do bom samaritano, Jesus não responde o que o doutor da lei pergunta.

A pergunta é “quem é o meu próximo?” e a resposta (além de ser uma pergunta) é para a pergunta “quem foi o próximo dele?”

Jesus poderia ter dito: “O cara caído é o teu próximo, vai e socorre-o”.

Mas aí o Evangelho estaria no outro antes de estar em mim. Eu teria que sair procurando quem é o próximo e isso dependeria de achar alguém para que eu encaixasse no perfil de “próximo” para que então eu pudesse fazer alguma coisa. Ai, o “fazer alguma coisa” estaria fora, no próximo e não dentro, em mim. Mas o Evangelho é p/ mim antes de ser p/ o outro. Ele só é p/ o outro quando antes é p/ mim, porque como opera na consciência Ele só produz algo do lado de fora quando antes produz algo do lado de dentro. Por isso a resposta não é “este ou aquele é o teu próximo”, a resposta é: “próximo é quem se aproxima, e só se aproxima quem antes se compadece, portanto compadece-te e aproxima-te, pois tu és o próximo!”

Nas semanas que precederam o encontro nacional do Caminho da Graça aqui no Ceará, o início das reuniões na Casa do Caminho sempre era para o Ivo alinhar e comunicar as pendências, que eram muitas. Numa dessas, achei que não conversaríamos sobre o Evangelho de tanto que foi conversado sobre o evento. O Ivo estava abarrotado de tarefas e precisava organizar tudo com todos. O cara já fala rápido, e atarefado então!! Estava quase gaguejando de tanto que tinha p/ falar. Como dizemos por aqui “Bem aperreadim”...rsrs. Mas depois de uns 30 minutos, ele fechou a agenda, respirou forte e perguntou: Como vocês estão? Como você está? Ainda bem que eu não era o primeiro a responder, pois fiquei pensando um pouco nesse cara, que é uma mistura de Maria (irmã de Marta) e bom samaritano que, respectivamente, desvencilha-se das tarefas para ficar com a melhor parte e não perde a capacidade de olhar para o outro, ter piedade e aproximar-se.

Pai livra-nos de pensar que movemos a tua mão com o nosso arrependimento. Faz-nos assim como Ivo: Mariano, Bom Samaritano.

hugo theophilo
estação fortaleza