sábado, 8 de dezembro de 2012

Sobre chãos psicologizados, graviolas e macaxeiras

"É o meu ponto de vista / Não aceito turistas / Meu mundo está fechado pra visitação" - Dudu Falcão

Pensa-se ser possível experimentar o chão sem pisar nele, ter ao mesmo tempo um espírito nômade e um lugar confortável. Assim nasce esse mundo particular, individual, fechado para visitação, protegido, o mundo do chão psicologizado. Pensa-se ser possível colocar o caminho dentro da cabeça/coração/alma sem que o corpo o atravesse.

Psicologizar o chão é como viver um céu esquecendo a terra. O resultado é o mesmo: homens arrancados da experiência do chão comum (insuportavelmente coletivo) produzindo e vivendo uma infinidade de céus, quase todos em conflito!

Sequer sabemos que há coisas que só acontecem no caminho. Saímos do sistema do templo, cujos muros impediam a convivencialidade, e caímos nas psicologias que fazem o mesmo: produzem indivíduos de sucesso sem comunidade. Temos a impressão de escapar desse individualismo quando juntamos pessoas ao nosso redor, mas, com frequência, nos juntamos para socializar impressões individuais sobre chãos privados ou, menos ainda, para ouvirmos a exposição que uma única pessoa faz do seu chão individual.

Talvez a comunhão seja mais pisar no mesmo chão do que socializar impressões. Ou talvez seja as duas coisas e nós é que perdemos a primeira.

As melhores teologias nasceram do chão, das coisas feitas à mão.

Já as nossas canções mais nobres de amor mostram o quanto os nossos mundos particulares loucamente precisam submeter e diminuir o mundo que existe, sob o risco de não conseguirem se expressar adequadamente:

"Nem mesmo o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar e o infinito não é maior que o meu amor nem mais bonito..."


"Nem o sol nem o mar, nem o brilho das estrelas, tudo isso não tem valor sem ter você..."


"O sol, a lua, as estrelas e o mar nada se compara ante a sua formosura..."


E nós que fazemos parte de uma tradição que partilha o alimento cultivado em comunidade...como fazemos isso sem terra e sem comunidade?

Esses dias o Luis me deu uma graviola e uma macaxeira. Comeremos a macaxeira cozida acompanhada de suco de graviola com hortelã-menta...talvez ovos do quintal com tomates do jardim. Comida sem preço, produzida pelo homem na sua relação com a terra (e não com o dinheiro), comida colhida do chão (não da prateleira do SuperMercado), vestígio de comunidade em meio a um vale de ossos secos e empregados!

Lampejo de esperança de que outra vida é possível.


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hugo lucena theophilo
"Cada um de nós, e cada um dos grupos em cujo seio vivemos e trabalhamos, deve se tornar o protótipo da era que desejamos criar." - Ivan Illich

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Sobre tempos, corpos e travessias - http://tinyurl.com/caot756


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